sábado, 2 de agosto de 2008

Os Anglicanos e os Sacramentos

O terceiro item do Quadrilátero de Lambeth , dentre as crenças doutrinárias centrais para os Anglicanos, se encontra: “Os dois Sacramentos ordenados por Cristo mesmo – Batismo e Ceia do Senhor – ministrados com o uso das inexoráveis palavras de Cristo na instituição e dos elementos ordenados por Ele”.

Um Sacramento já foi definido como: “Um sinal externo e visível de uma graça interna e espiritual, que se nos concede, instituído pelo próprio Cristo, como meio de recebermos essa graça, e como penhor que nos assegura dela”.

O Sacramento deve ter sido instituído pelo próprio Cristo – conforme relato dos Evangelhos – cujas palavras são repetidas pelos celebrantes, deve conter elementos externos, visíveis, da natureza (água, pão, vinho), e deve concorrer para alimentar os fiéis, que os recebem pela fé, com a graça de Deus. No Catecismo de um dos Livros de Oração Comum (LOC) de uma de nossas Províncias Anglicanas, Graça é entendida como “o favor de Deus para conosco”.

Em nosso Documento Doutrinário Anglicano da época da Reforma Protestante, do século XVI, os “XXXIX Artigos de Religião” , em seu artigo XXV – Dos Sacramentos, lemos a seguinte afirmativa: “Os Sacramentos instituídos por Cristo não são unicamente designações ou indícios da profissão dos Cristãos, mas antes testemunhos certos e firmes, e sinais eficazes da graça, e da boa vontade de Deus para conosco, pelos quais Ele opera invisivelmente em nós, e não só vivifica, mas, também, fortalece e confirma a nossa fé Nele. São dois os Sacramentos instituídos por Cristo nosso Senhor no Evangelho, isto é, o Batismo e a Ceia do Senhor”.

Aquele importante documento nega o status de “sacramento” a outros ritos não instituídos por Cristo, mas sim pela Igreja, ao longo dos séculos, por mais benéficos que sejam: Confirmação, Penitência, Ordens, Matrimônio e Unção dos Enfermos. Faltar-lhe-ia os elementos essenciais para tanto. Posteriormente, passaram a ser denominados no Anglicanismo de “Ritos Sacramentais” , ou de “Sacramentos Menores” . Enquanto os Sacramentos estão na economia da salvação, os ritos sacramentais estariam na economia da santificação.

O Artigo XXVII – Do Batismo, do Documento acima citado, nos ensina que: “O Batismo não é um sinal de profissão e marca de diferença, com que se distinguem os Cristãos dos que o não são, mas também um sinal de regeneração ou Nascimento novo, pelo qual, como por instrumentos, os que recebem o Batismo devidamente, são enxertados na Igreja; as promessas da remissão dos pecados, e da nossa adoção como filhos de Deus pelo Espírito Santo, são visivelmente marcadas e seladas, a fé é confirmada, e a graça aumentada por virtude da oração de Deus. O Batismo das crianças deve conservar-se de qualquer modo na Igreja como sumamente como à instituição de Cristo”.

O Batismo tem sido entendido como “o ato de imergir, infundir ou aspergir, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, sobre o convertido ou criança “filha da promessa”, ou seja, de pais e/ou avós já crentes” . Ambos os batismos, seguindo, na Nova Aliança, a tradição da Primeira Aliança (circuncisão e batismo de prosélitos) na Igreja Primitiva, segundo farta e confiável documentação do período dos Pais Apostólicos (segundo século). O convertido professa a sua fé, e os filhos da promessa ( “para tu e os de tua descendência” ) recebem a semente do Evangelho, que uma vez devidamente regada pela família da carne e pela família da fé, haverá de germinar, como tão bem nos ensina Calvino.

Como a quantidade de água, além de não-essencial, foi diversa nos primórdios do Cristianismo, os Anglicanos não somente batizam adultos e crianças, mas também o fazem por imersão (em água corrente ou não) e por infusão ou aspersão na pia batismal, com o uso das palavras da instituição por nosso Senhor Jesus Cristo. Em todos os casos deve-se preparar as pessoas e chamar a atenção para a importância desse rito de iniciação cristã.

O segundo Sacramento é tratado no Artigo XXVIII – Da Ceia do Senhor: “A Ceia do Senhor não é só um sinal de mútuo amor que os cristãos devem ter uns para com os outros; mas antes é um Sacramento da nossa Redenção pela morte de Cristo, de sorte que para os que devida e dignamente, e com fé o recebem, o pão que partimos é a participação do Corpo de Cristo; e de igual modo o Cálice de bênção é uma participação do Sangue de Cristo” . Nossa posição rejeita a doutrina da Transubstanciação da Igreja Romana e da Consubstanciação da Igreja Luterana, bem como o do mero memorial defendido pelos Anabatistas. Afirma esse Artigo: “O Corpo de Cristo é dado, tomado, e comido na Ceia, somente dum modo celeste e espiritual. E o meio pelo qual o Corpo de Cristo é recebido e comido na Ceia é a Fé” . Daí os Anglicanos afirmarem, mas não definirem racionalmente (pois sacramento é mistério, apreendido pela fé) o sentido da “Presença Real” de Cristo, que é espiritual e não material, estando presente não nos elementos, isoladamente, mas no Sacramento: rito, palavras solenes, elementos, cristãos com fé.

Os Artigos de Religião afirmam a necessidade de, em obediência ao que está prescrito pelas Escrituras, celebrarmos a Ceia com ambos os elementos: o pão e o vinho, nem só o pão (Igreja de Roma), nem pão e suco de uva (prática que apareceu na Igreja Metodista dos EUA no século XIX), são condenados os que participam indignamente ou sem fé, e afirma-se que a fé e o caráter do celebrante não afetam o Sacramento devidamente administrado e devidamente recebido.

Como afirmação do Corpo Místico de Cristo, e de que nós, os Anglicanos, somos uma parcela provisória e reformada desse Corpo, praticamos a chamada “Ceia Aberta” (a Mesa é do Senhor e não da Igreja Anglicana) a todas as pessoas batizadas, que confessem Cristo como Senhor e Salvador e estejam em paz com Deus e em comunhão com as suas igrejas.

A Ceia do Senhor, ou Eucaristia ( “Ação de Graças” ) era celebrada dominicalmente pela Igreja dos primeiros séculos, como afirmação da redenção e da ressurreição. Fórmulas e ritos foram sendo elaborados, sendo a mais antiga (adotada pela Igreja Ortodoxa Siriana) atribuída a Tiago, irmão do Senhor. As tradições da Igreja Celta e da Igreja Romana foram profundamente afetadas pela Reforma Luterana na adoção dos Ritos pelo Livro de Oração Comum, da Igreja da Inglaterra. Hoje, variações que não afetem o essencial, são adotadas nos LOC's de cada uma das 38 Províncias Anglicanas, e em Ritos Alternativos ou Opcionais, devidamente autorizados pelo Bispo de cada Diocese, único detentor do “jus liturgicum” (autoridade para adotar liturgias).

Os Sacramentos têm como fundamento a própria Encarnação de Cristo, que dignifica a Natureza, e o uso dos seus componentes para o bem estar material e espiritual. Para os Anglicanos as Escrituras e os Sacramentos alimentam a fé e proclamam a fé. Deve-se, contudo, evitar o formalismo, a banalização ou a superstição (magicismo) no tocante aos Sacramentos, que devem ser celebrados “com ordem e decência” , com solenidade e docência, segundo a Liturgia Oficial da Igreja (como prescrevem os Cânones).

Ao convidarmos parentes, amigos e vizinhos para as celebrações do Batismo e da Ceia, emprestamos aos Sacramentos uma dimensão missionária, evangelizadora, como anúncios solenes das Boas Novas. Pregamos, assim, não pela verborragia , mas pela Liturgia , usada, poderosamente, pelo Espírito Santo.

Não podemos negar a História da Igreja e a herança apostólica, negando os Sacramentos. O equilíbrio entre Pregação e Sacramento como explicitações da Palavra de Deus para o Povo de Deus é uma das mais profundas marcas do Anglicanismo.

Vivamos essa Verdade!

Autor: Dom Robinson Cavalcanti, Bispo Anglicano

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